Acordar ás oito horas da manhã é
o habitual para um sujeito que, às nove e meia, deve estar presente em uma aula de tradução. Tradução literal, se isso é possível. Às dez horas,
muitíssimo atrasado, entro na sala de aula e o professor me olha de um jeito
baixo. Tenho certeza que o olhar deste é como um pedaço de madeira repleto de ferpas, e a sua vontade é de enfiá-lo em minha cavidade nasal para me ver
agonizar enquanto mastiga o seu tabaco.
Atenção: esqueçam tudo o que fora dito no
parágrafo anterior, confesso que as minhas palavras são carregadas de exagero. Sendo assim, peço que
desconsiderem o derramar de coca-cola.
Quatro horas de aula, sendo que o primeiro momento é quase um confronto épico. Entretanto, pela ajuda de Zeus e o
grande divo Apolo, a aula tem o seu término após muitos rodeios e divagações.
Para ir embora, eu
mais três amigas descemos a ladeira da esperança que liga o metrô ás nossas
camas confortáveis e momentos de estabilidade com luzes indiretas.
A primeira é uma moça no auge da sua
fina elegância. Um salto alto marca o ritmo galopante de seus passos. Na cabeça, uma bela trança de fios negros e lisos, enquanto corpo velado sinuosamente por
cores intensas.
A segunda moça, digo a vocês, é a
cara do Brasil. Diferentemente da primeira, o cabelo dela é longo e não usa tranças,
porém o pesado volume bate como passos indianos em suas costas. Esta, como
toda mulher que preze o seu filo, usa um sapato verde como expressão restrita
de nacionalidade. O sol e sua pele dialogam por longas horas. Qualquer que
fosse o olhar poderia ser caracterizado pelo interesse alheio.
O terceiro sou eu. A partir dos
dados corporais que me constituem, não tenho a falsa ilusão de causar interesse
a alguém. Para não causar susto aos leitores, vou derramar por meio de palavras
rebuscadas a minha imagem e os meus rastros.
Cachos repletos de fios dourados cobrem a minha redonda cabeça. Ela, por
sua vez, é sustentada por um pescoço torneado por uma camada redobrada de
adiposidade. O corpo segue o mesmo padrão do pescoço e da redonda cabeça; uma
forma impossível com uma sombra enorme.
Mesmo com o forte calor, as duas moças permanecem envolvidas por um brilho plácido. Eu, por minha vez, disfarço com passadas ligeiras de mão tentando
retirar a oleosidade de meu rosto. A imagem difere, de fato.
Agora, ao esperarmos o metrô, a
conversa gira em torno de expressões estrangeiras, quando, muito repentinamente, as moças me atingem
com graves olhares. Pelas costas eu percebo uma frente e, pela frente, a sombra
que em breve me atingiria. Uma mão se estabelece (muito mal educada) em meu
ombro. Uma voz diz:
“What's your name?”
SEM PALAVRAS.
"How are you?", ele prossegue.
"How are you?", ele prossegue.
A imagem não se encaixa com a
estranhíssima pronúncia, e o medo do assalto me toma. Só com isso o dia ficaria
melhor; loucura, eu sei!
DOIS PASSOS DE AFASTAMENTO.
A moça de cabelos dançantes diz meio
que de canto de olho. Vocês vão entender agora, pois tentarei ser bastante explícito.
Quando alguém, seja quem for, não quer passar por uma situação vexatória tenta
dar dicas disfarçadas para o foco da vergonha. Oh grande rei do
terror!
Não respondo por medo, apenas. Ela
me olha com a mão no canto da boca e diz em surdina:
“I’m
Fine”.
Os meus olhos devolvem incompreensão. O
que ela acha? Eu entendo o que o mendigo diz. O meu problema é o medo, só. Por mim,
passos largos tomariam conta dos meus movimentos. Elegância, para quê?
O
mendigo em frente a minha feição pálida some abruptamente junto à multidão com um riso abafado e a aura etílica.
O
metrô chega e nós, em comboio, entramos em total abafamento de ideias. Eu com uma revolta
estranha guardada no peito. Tenho
certeza que isso é influência do grande Ulisses, pois só um espírito astuto para sugerir tal resposta.
Um comentário:
que tenso hein
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