Onde queres o ato, eu sou oespírito
E onde queres ternura, eu sou tesão
Onde queres o livre, decassílabo
E onde buscas o anjo, sou mulher
Onde queres prazer, sou o que dói
E onde queres tortura, mansidão
Onde queres um lar, revolução
E onde queres bandido, sou herói”
(O Quereres/ Caetano Veloso)
Sou
gay assumido. Acredito na força simbólica e política da exposição de minha
condição. Em um processo de autoconhecimento e de leitura crítica do mundo,
transformei a vergonha (dita) em orgulho. E, por pertencer a um
grupo minoritário, compadeço-me das lutas de outras minorias. Sob um viés estritamente humanista, reconheço a batalha dos negros, dos pobres,
dos transgêneros e das mulheres. Estas, por sua vez, receberão uma atenção
especial nesse texto, já que pretendo refletir acerca da batalha pela equidade entre gêneros (feminismo) e, mais do que isso, reivindicar o meu direito deser um homem feminista.
Reforço
que não é fácil ser gay em uma sociedade homofóbica e, por isso, compreendo bem
as opressões das quais as mulheres sofrem com o machismo e a misoginia. A
escritora nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie, no livro Sejamos Todos
Feministas, declara: “A questão de gênero, como está estabelecida hoje em dia,
é uma grande injustiça. Estou com raiva. Devemos ter raiva. Ao longo da
história, muitas mudanças positivas só aconteceram por causa da raiva. Além da
raiva, também tenho esperança, porque acredito profundamente na capacidade de
os seres humanos evoluírem. ”. A partir de tal posicionamento, visto-me com mesma
raiva de Chimamanda e sigo os conselhos de
Paulo Freire que, na obra Pedagogia da Autonomia, afirma: “É preciso, porém,
que tenhamos na resistência que nos preserva vivos, na compreensão do futuro
como problema e na vocação para o ser mais como expressão da natureza humana em
processo de estar sendo, fundamentos para a nossa resignação em face das ofensas
que nos destroem o ser. Não é na resignação mas na rebeldia em face das
injustiças que nos afirmamos.”. Freire,com suas sábias colocações, destaca a
importância de se transformar a raiva em poder revolucionário. Em outras
palavras: converter um sentimento em uma ação.
Motivado
pelos argumentos e pela minha história pessoal, coloco-me em defesa da equidade de gênero, a despeito da pele em que
habito. Não sou ingênuo e reconheço que desfruto privilégios por ser homem.
Sei que, ao requerer essa legitimação, estou transgredindo relações socialmente
construídas e, por conseguinte, aparentando uma significativa contradição.
Esclareço, no entanto, que ser um homem feminista não significa roubar o protagonismo das mulheres. É, na verdade, a intenção de apoiá-las em frente às injustiças sociais.
Recentemente,
consternei-me com a fala do técnico da TV a cabo à minha mãe:
_
A senhora, quando ligar pra Sky, não fala com mulher. Mulher tem má vontade de
atender e só passa informação errada.
Pautado
em sua falsa certeza, o homem associou a ausência de competência ou má vontade
(que poderia ser inerente a qualquer pessoa) ao gênero feminino. Como se não
bastassem as marcar enunciativas que denotam o preconceito contra a mulher,
o texto ideológico do indivíduo foi endossado pela minha mãe, uma vez que ela concordou com ele.
Infelizmente,
como nessa situação, podemos perceber casos de mulheres que assimilam o machismo, fraturando
e subvertendo a própria natureza do gênero feminino-humano. Em Tempo Bom, Tempo Ruim, Jean Wyllys aponta para a
perversidade cultural que perpassa nossa educação: “A cultura e a sociedade não só ‘normalizam’ meninas e
meninos, atribuindo papéis de gênero para cada um, mas, sobretudo, lhes ensinam
a ‘normalizar’ seus filhos, sobrinhos e alunos, quando os tiverem. Somos
condicionados a representar esses papéis, por mais aviltantes que sejam, e a
passa-los adiante, perpetuando assim o machismo e todas as suas consequências detestáveis.
”.
Diante
de todos os levantamentos, concluo que sou UM FEMINISTA. Tento, diariamente, combater o machismo, a misoginia e qualquer tipo de subjugação às mulheres. Do mesmo modo que algumas delas, ao assimilarem o machismo, retorcem o próprio destino, quero mudar o curso de minha história, enquanto homem. Não sou um opressor, pois sou um apoiador. Sou um agente da transformação.
Sejamos
mais humanos e menos categorizadores. Impedir a interpenetração dos homens nas
demandas feministas é pôr em jogo as diretrizes da própria ideologia. Encerro
minha reflexão com a ratificação de Chimamanda: “O melhor exemplo de feminista que conheço é o
meu irmão Kene, que também é um jovem legal, bonito e muito másculo. A meu ver,
feminista é o homem ou a mulher que diz: ‘Sim, existe um problema de gênero
ainda hoje e temos que resolvê-lo, temos que melhorar'. Todos nós, mulheres e
homens, temos que melhorar. ”.
Atualmente,
no Brasil, vivemos em tempos de barbárie. Densas nuvens reacionárias parecem
encobrir boa parte do nosso governo, disseminando ódio, repressão e impedindo a
conquista de direitos humanos incompressíveis. Em outras palavras, há o
fortalecimento de um conservadorismo seletivo e a reafirmação de um lugar subalterno
para os pobres, negros, mulheres, homossexuais, transgêneros, entre outros. Diante
de tal situação, podemos observar que, enquanto sociedade, estamos caminhando
em passos largos para um grande anacronismo.
Para piorar o (quase) diagnóstico da falência múltipla desse corpo chamado
Brasil, no dia 29 de abril de 2015, professores paranaenses foram massacrados
por policiais militares a mando do governador do Paraná, Beto Richa (PSDB). Os
docentes reagiam contra o projeto de lei 252/2015. O texto do PLC autorizava o
governo estadual a mexer no fundo previdenciário dos seus servidores. O resultado:
tiros de bala de borracha, fortes jatos de água e, acima de tudo, MUITA
truculência e violência policial direcionada aos manifestantes.
Por se tratar de um protesto legítimo,
as agressões sofridas pelos educadores paranaenses merecem ainda mais relevo,
já que, maior do que algo físico, trata-se de uma rasura simbólica no tecido
educacional brasileiro. Assim, como
escreveu Clarice Lispector no livro A Hora da Estrela, “Esta história acontece
em estado de emergência e de calamidade pública. ”. Esse acontecimento demarca a
forma sucateada como o sistema de ensino vem sendo administrado pela maioria dos
nossos políticos.
Ressalto que esse texto não existe
fora de uma dimensão ideológica, pois, segundo minha percepção como professor, pesquisador
e ser humano inacabado culturalmente e, por isso, um ser ético que sou, a
principal hipótese que justificaria tais mazelas é o fato dos opressores (políticos/classes
dominantes) não estarem dispostos a emancipar os oprimidos por meio de uma
educação crítica e libertadora, conforme propõe Paulo Freire na obra Pedagogia
da Autonomia Saberes Necessários à Prática Educativa. É por me filiar a um viés
progressista, que não posso enxergar a terrível situação da educação e dos
educadores brasileiros sem propor nenhuma reflexão, por mais “senso comum” que
isso possa parecer.
Atrevo-me
a dizer que minhas considerações são movidas mais pelas perguntas do que pelas
respostas, tal como o depoimento, em um vídeo que circula nas redes sociais, de
uma professora atingida, no rosto, por uma bomba: “Olhe, Beto Richa, eu sou professora há 23 anos! 23 anos! É ISSO O QUE
EU MEREÇO?! Eu mereço uma bomba, uma bomba no rosto?! É isso o que eu mereço
depois de 23 anos! É isso?! É isso?!”. A perplexidade da situação (reitero)
remonta o quadro enfraquecido e fragmentado da nossa educação, fazendo com que a
fala indignada dessa professora se desdobre na boca de muitos que, como ela, indagam:
É ISSO O QUE EU MEREÇO? É ISSO O QUE NÓS MERECEMOS? É DESSE TRATAMENTO
VERGONHOSO QUE A EDUCAÇÃO BRASILEIRA CARECE?
Dessa forma, não é possível construir
uma pátria educadora, quando parece haver um contínuo massacre institucional à
educação. Cabe-nos, portanto, como cidadãos, prosseguir sempre a questionar. No
entanto, dessa circunstância resta uma assertiva afirmação: vivemos em tempos
de barbárie.
Fique
claro que isto aí era para impressionar pelo discurso direto, pela formalinguística urdida da trama ou, até mesmo, por um estranhamento, a fim
de lançar luz sobre a metalinguagem tão reverenciada por uma teoria literária
qualquer. Contudo, antes de maiores prosseguimentos, confesso minha absoluta
ausência de habilidade em aprofundar personagens, recuperar acontecimentos
históricos de maneira crível, além das fronteiras de gênero que me tornam um
ficcionista sofrível. Ficcionista, palavra que soa pedante, aliás.Guardo, no bolso, poucas certezas. Guardo, no bolso, poucas palavras.
Uma boca enorme entre vírgulas: uma grande
aposto explicativo na cara. Aposto. Mãos conformadas pelas dobras do lençol. Seria eu
um autorretrato de Frida Kahlo ou um filme de amor gay com Xavier Dolan? De
nada sei completamente.
Tenho
vivido tempos difíceis, em narrativas bidimensionais. Há momentos onde a vida fica tão árida, que a diferenciação
de complemento nominal e adjunto adnominal, quando ambos são locuções, é
fichinha. A ordem de hoje: relacionamento superficial. O mais raso possível,
para menor atrito. Mergulhos menos profundos.
Este é mais um texto em primeira pessoa. Ttrata-se de um assunto no qual não possuo nenhum distanciamento, já que sou um indivíduo assumidamente gay que defende a bandeira da igualdade. Problematizarei, aqui, valores machistas e misóginos que vigoram, principalmente entre os homossexuais masculinos, na comunidade LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transgêneros).
Atualmente, fomentado pelas grandes mídias de informação, o tópico “machismo” tem recebido grande destaque nos debates sociais, tendo em vista acontecimentos como a discussão entre as cantoras Anitta e Pitty, no programa de TV Altas Horas, da Rede Globo. Em uma fala polêmica, Anitta afirmou que a mulher, num paradigma profissional, alcançou os mesmos direitos que os homens e que, atualmente, elas estão exagerando em querer tomar o lugar deles em determinadas situações. Diante de tal fala, Pitty rebateu dizendo que as mulheres não atingiram os mesmos direitos que os homens. Por fim, Anitta refletiu (equivocadamente), segundo as suas observações, que as mulheres não se dão o respeito, em virtude de terem uma abordagem diretiva e sexualmente ativa frente aos homens. Como resposta, Pitty disse que as mulheres não têm que se dar o respeito, mas que os homens devem respeitá-las independentemente de qualquer situação ou atitude.
Ora, são nítidos os problemas no discurso de Anitta. Em primeira instância, podemos identificar a contradição da cantora, pois, se analisássemos isoladamente seu trabalho com a lente machista que vigora em nossa sociedade, concluiríamos que ela também não se dá o respeito. Uma mulher que lança mão de danças sensuais, figurinos ousados e canções que parecem revelar uma (aparente) construção identitária feminina empoderada, emancipada e transgressora, não poderia ter um posicionamento tão conservador e contraditório e sair incólume desse tipo de debate, afinal.
Esse exemplo, no entanto, nos permite deslocar a reflexão acerca do machismo para o universo LGBT, já que, frequentemente, nos deparamos com casos graves de preconceito e segregação dentro de um grupo já marginalizado, como o nosso.
O gays efeminados, as transsexuais, as drag queens,por se apropriarem de signos femininos em sua identidade de gênero ou em sua esfera cultural, são rotulados pejorativamente pela própria comunidade. Assim, são rotineiras as seguintes falas e referências em situações comunicativas cotidianas: “bichinha”, “passiva”, “afeminada”, “trava”, “maricona”, “odeio mulher”, etc.
Podemos inferir, a partir desses casos, um ódio a todo e qualquer índice de feminilidade assimilado por essas pessoas. Quer dizer, em outras palavras, que existe, no âmbito gay, uma forte misoginia e machismo. É relevante destacar, com isso, que os gays (principalmente os masculinos) não estão isentos do machismo corrosivo e nocivo que considera a mulher inferior ao homem, devendo, portanto,elas se subordinarema eles.
Após essa constatação, não podemos fechar os olhos para tamanho absurdo, pois não deveriam haver hierarquias entre o nosso grupo, considerando que compartilhamos da mesma causa: a luta por direitos civis igualitários em um corpo social héteronormativo e excludente. Com esse tipo de comportamento, além de engrossar a marginalização de conjuntos minoritários, estamos sendo igualmente ignorantes com os nossos companheiros.
Acredito que enquanto não houver essa conscientização e unificação, não seremos uma força capaz de promover mudanças positivas para nossa comunidade. O gay de voz grossa/ machão/ bombadão não é superior ao gay afeminado e à transsexual. Não sejamos contraditórios, porque, com essa postura, estamos legitimando preconceito e ódio.
Esta é a voz angustiada de um gay que se assusta e não consegue engolir essa realidade. Não dá mais para sermos Anittas.