sexta-feira, 19 de junho de 2015

Sou um Homem Feminista

Onde queres o ato, eu sou o espírito
E onde queres ternura, eu sou tesão
Onde queres o livre, decassílabo
E onde buscas o anjo, sou mulher
Onde queres prazer, sou o que dói
E onde queres tortura, mansidão
Onde queres um lar, revolução
E onde queres bandido, sou herói”
(O Quereres/ Caetano Veloso)



             

Sou gay assumido. Acredito na força simbólica e política da exposição de minha condição. Em um processo de autoconhecimento e de leitura crítica do mundo, transformei a vergonha (dita) em orgulho. E, por pertencer a um grupo minoritário, compadeço-me das lutas de outras minorias. Sob um viés estritamente humanista, reconheço a batalha dos negros, dos pobres, dos transgêneros e das mulheres. Estas, por sua vez, receberão uma atenção especial nesse texto, já que pretendo refletir acerca da batalha pela equidade entre gêneros (feminismo) e, mais do que isso, reivindicar o meu direito de ser um homem feminista.
Reforço que não é fácil ser gay em uma sociedade homofóbica e, por isso, compreendo bem as opressões das quais as mulheres sofrem com o machismo e a misoginia. A escritora nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie, no livro Sejamos Todos Feministas, declara: “A questão de gênero, como está estabelecida hoje em dia, é uma grande injustiça. Estou com raiva. Devemos ter raiva. Ao longo da história, muitas mudanças positivas só aconteceram por causa da raiva. Além da raiva, também tenho esperança, porque acredito profundamente na capacidade de os seres humanos evoluírem. ”. A partir de tal posicionamento, visto-me com mesma raiva de Chimamanda e sigo os conselhos  de Paulo Freire que, na obra Pedagogia da Autonomia, afirma: “É preciso, porém, que tenhamos na resistência que nos preserva vivos, na compreensão do futuro como problema e na vocação para o ser mais como expressão da natureza humana em processo de estar sendo, fundamentos para a nossa resignação em face das ofensas que nos destroem o ser. Não é na resignação mas na rebeldia em face das injustiças que nos afirmamos.”. Freire,com suas sábias colocações, destaca a importância de se transformar a raiva em poder revolucionário. Em outras palavras: converter um sentimento em uma ação.
Motivado pelos argumentos e pela minha história pessoal, coloco-me em defesa da equidade de gênero, a despeito da pele em que habito. Não sou ingênuo e reconheço que desfruto privilégios por ser homem. Sei que, ao requerer essa legitimação, estou transgredindo relações socialmente construídas e, por conseguinte, aparentando uma significativa contradição. Esclareço, no entanto, que ser um homem feminista não significa roubar o protagonismo das mulheres. É, na verdade, a intenção de apoiá-las em frente às injustiças sociais.
Recentemente, consternei-me com a  fala do técnico da TV a cabo à minha mãe:
_ A senhora, quando ligar pra Sky, não fala com mulher. Mulher tem má vontade de atender e só passa informação errada.
Pautado em sua falsa certeza, o homem associou a ausência de competência ou má vontade (que poderia ser inerente a qualquer pessoa) ao gênero feminino. Como se não bastassem as marcar enunciativas que denotam o preconceito contra a mulher, o texto ideológico do indivíduo foi endossado pela minha mãe, uma vez que ela concordou com ele.

Infelizmente, como nessa situação, podemos perceber casos de mulheres que assimilam o machismo, fraturando e subvertendo a própria natureza do gênero feminino-humano. Em Tempo Bom, Tempo Ruim, Jean Wyllys aponta para a perversidade cultural que perpassa nossa educação: “A cultura e a sociedade não só ‘normalizam’ meninas e meninos, atribuindo papéis de gênero para cada um, mas, sobretudo, lhes ensinam a ‘normalizar’ seus filhos, sobrinhos e alunos, quando os tiverem. Somos condicionados a representar esses papéis, por mais aviltantes que sejam, e a passa-los adiante, perpetuando assim o machismo e todas as suas consequências detestáveis. ”.
Diante de todos os levantamentos, concluo que sou UM FEMINISTA. Tento, diariamente, combater o machismo, a misoginia e qualquer tipo de subjugação às mulheres. Do mesmo modo que algumas delas, ao assimilarem o machismo, retorcem o próprio destino, quero mudar o curso de minha história, enquanto homem. Não sou um opressor, pois sou um apoiador. Sou um agente da transformação.

Sejamos mais humanos e menos categorizadores. Impedir a interpenetração dos homens nas demandas feministas é pôr em jogo as diretrizes da própria ideologia. Encerro minha reflexão com a ratificação de Chimamanda:  “O melhor exemplo de feminista que conheço é o meu irmão Kene, que também é um jovem legal, bonito e muito másculo. A meu ver, feminista é o homem ou a mulher que diz: ‘Sim, existe um problema de gênero ainda hoje e temos que resolvê-lo, temos que melhorar'. Todos nós, mulheres e homens, temos que melhorar. ”.





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