quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

Rainha Meretriz



Sou clandestina. Acolho-me na sombra do boteco da Mara. Agrado-me do gosto ácido que escorre pela minha garganta. Excito-me com os espasmos dos corpos de meus homens. Sou generosa e pratico o bem, como ensinava o saudoso padre Valério de minha juventude.
            A parede que eu vejo está bastante desgastada e suas peles sobrepostas revelam a maldade do tempo. O teto parece estar muito longe de onde eu estou. Sinto-me apropriada ao colchão sem lençol sob o meu corpo. Do lado de fora, presa à porta, uma toalhinha bordada. Do lado de dentro, uma mulher crua e receptiva.
Recebo mais um cliente. Será o quinto ou o sexto? Sou arrogante em minha decadência. As suas mãos grosseiras agridem o meu sexo: unhas sujas de graxa e o suor ofegante exercem uma violação concedida sobre o meu corpo. “Deite”. “Abra”. “Vai”. “Vai”. “VAI”... “Ahh”.
Misturo-me com o ar parado e o cheiro de água sanitária. Deitada, como se estivesse sozinha, sinto escorrer suor pela fresta. Reflito se é mesmo suor ou o meu gozo egoísta.
Falo de dentro para dentro e sou puta porque gosto. Chego em casa e beijo o esposo. Um ato virtuoso e submisso de uma rainha meretriz. 
 

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